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Agravo de Instrumento nº único 0004785-35.2012.8.10.0000 – (Nº 27382-2012) – São José de Ribamar

Publicado em 27/02/2013 12:45 - Última atualização em 03/02/2022 11:30

QUARTA CÂMARA CÍVEL

AGRAVO DE INSTRUMENTO NÚMERO ÚNICO 0004785-35.2012.8.10.0000 – (Nº 27382-2012) – SÃO JOSÉ DE RIBAMAR/MA
AGRAVANTE: ESTADO DO MARANHÃO
PROCURADOR DO ESTADO: CARLOS SANTANA LOPES
AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL
PROMOTOR DE JUSTIÇA: CARLOS HENRIQUE BRASIL TELES DE MENEZES
LITISOCONSORTE: FUNDAÇÃO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – FUNAC
RELATOR: Des. JAIME FERREIRA DE ARAUJO

DECISÃO

Versam os presentes autos sobre AGRAVO DE INSTRUMENTO, com pedido de efeito suspensivo, interposto pelo ESTADO DO MARANHÃO contra decisão (fls. 70-83) proferida pelo MM. Juiz de Direito da Comarca de São José de Ribamar/MA que, nos autos da Ação Civil Pública com pedido de interdição do Centro de Juventude Esperança – CJE (Processo n.º 27382-2012) ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL, proibiu o ingresso de novos internos, inclusive oriundos de qualquer comarca, no Centro de Juventude Esperança – CJE, tendo em vista, como pronunciou o Ministério Público, a comprovação de que suas dependências apresentam insalubridade, comprometendo a sanidade adequada para a sobrevivência humana em condições dignas, além de colocar em risco eminente (sic) à saúde e bem-estar dos adolescentes internos e da equipe de servidores públicos que ali exercem suas atividades […].

Ademais, o magistrado a quo determinou que os demandados promovam a transferência, no prazo máximo de 30 (trinta) dias de sua citação, de todos os adolescentes internos do Centro de Juventude Esperança ? CJE para outras unidades de internação definitiva da FUNAC, que disponham de ambiente adequado e higienizado com regularidade […], sob pena de multa diária de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), se houver descumprimento das determinações aqui contidas, a reverter em favor do Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de São José de Ribamar/MA, nos termos do art. 213, §2º e 214 da Lei n.º 8069/90.

Nas razões recursais (fls. 03-11) alega o agravante, em síntese, que a decisão do magistrado de primeiro grau afronta diretamente o princípio da separação de poderes previsto no art. 2º da Constituição Federal.

Segue sustentando que a construção ou reforma do Centro de Juventude Esperança – CJE e a transferência de menores acarretará elevados custos e despesas não previstas no orçamento do agravante, o que acaba por violar a Lei de Responsabilidade Fiscal, haja vista que ausente previsão orçamentária para a realização de tais despesas.

Diante de tais argumentos, requer seja concedido o efeito suspensivo da decisão agravada, posto que resulta ela em grave lesão e de difícil reparação, ou ao menos, que se conceda prazo maior para a transferência de todos os menores internados no Centro de Juventude Esperança – CJE.

É o relatório. Decido.

Tendo em vista os efeitos da Lei nº. 11.187/05, que restringiu o cabimento do recurso de Agravo de Instrumento, compete ao Relator converter o agravo interposto na forma instrumental em retido nos autos, salvo quando se tratar de provisão jurisdicional de urgência ou houver perigo de lesão grave e de difícil ou incerta reparação (periculum in mora).

No caso dos autos, não vislumbro a possibilidade de conversão do Agravo em retido, tal como previsto no art. 527, inc. II, do CPC, já que me deparo com matéria que aponta urgência no provimento jurisdicional ante a possibilidade de irreversibilidade dos efeitos da medida concedida.

Determino, portanto, o processamento do Agravo sob a forma de Instrumento.

Sobremais, cumpre ressaltar que as regras contidas no artigo 527 e seus incisos, c/c o art. 558 do Código de Processo Civil reclamam, para a concessão de efeito suspensivo ou antecipação de efeitos da tutela recursal em sede de Agravo de Instrumento, a comprovação de que a decisão agravada possa resultar à agravante lesão grave e de difícil reparação, e, ainda, que se demonstre a relevância da fundamentação.
Conforme se depreende dos autos, o Ministério Público Estadual ajuizou ação civil pública com intuito de interditar o Centro de Juventude e Esperança – CJE, haja vista que não possui condições mínimas de uma vida digna para os menores ali internados.

Em que pese toda a argumentação desenvolvida pelo agravante, pelo menos neste momento processual, e em análise provisória, reputo prudente e razoável manter os efeitos da r. decisão agravada, em razão da garantia da segurança pública e da dignidade dos adolescentes segregados.

Do que se depreende dos autos, o Centro de Juventude e Esperança – CJE não possui as condições mínimas necessárias ao seu regular funcionamento, o que configura não só um desrespeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, bem como um perigo para a coletividade, em razão da possibilidade de fugas. Acrescente-se, ainda, o princípio constitucional do respeito à integridade física e moral do preso, previsto no art. 5°, XLIX, da Constituição Federal.

Confiram-se, a seguir, os seguintes julgados em casos semelhantes ao dos autos, in verbis:

TJSC-061364) MANDADO DE SEGURANÇA. PRESÍDIO. SUPERLOTAÇÃO. PORTARIA. NÚMERO DE PRESOS. LIMITAÇÃO. SEPARAÇÃO DOS PODERES. PRINCÍPIO DA UNIDADE DA CONSTITUIÇÃO. SEGURANÇA PÚBLICA. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PONDERAÇÃO DE VALORES. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. 1. Age no estrito exercício da função de corregedor do presídio e, portanto, sem ofender a separação dos poderes (CF, art. 2º) o juiz de direito que, mediante limitação de vagas, interdita parcialmente ergástulo público superlotado. Na medida em que não determina qualquer ação concreta e imediata ao Poder Público (v.g., prazo para transferência de presos, criação de vagas e construção de presídios), a limitação de ingresso de novos detentos não invade as competências do Poder Executivo. 2. O conflito (aparente) de normas constitucionais deve ser resolvido à luz do princípio da unidade da Constituição, mediante a ponderação dos valores envolvidos e observando-se os parâmetros estabelecidos pelo princípio da proporcionalidade. Com vistas a garantir a dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), é razoável aceitar ponderado sacrifício da segurança pública (CF, art. 6º, caput), diante de insustentáveis condições físicas e de salubridade de celas superlotadas. Sopesados os valores em confronto, a proibição de ingresso de novos detentos mostra-se: a) adequada, porque atinge o fim pretendido (dignidade da pessoa humana), diante da impossibilidade real de imediata criação de novas vagas no sistema prisional estadual; b) necessária porque impede a interdição total do ergástulo, garantindo a dignidade dos presos com o mínimo de sacrifício à segurança pública; c) proporcional em sentido estrito, porque evita rebeliões e fugas em massa (que acabariam por agredir ainda mais a segurança pública), bem como doenças e mortes decorrentes das más condições de encarceramento (que resultariam na responsabilidade civil do Estado). 3. A exceção à limitação de presos, imposta aos que praticarem crimes abstratamente graves, conquanto não tenha relação direta com as más condições de encarceramento, mostra-se adequada, notadamente na busca do mínimo sacrifício da segurança pública. Contudo, não se justifica manter a exceção tão somente aos delitos perpetrados na comarca sede do presídio, devendo-se estendê-la a toda a região abrangida. SEGURANÇA PARCIALMENTE CONCEDIDA. (Mandado de Segurança nº 2011.042984-0, 4ª Câmara Criminal do TJSC, Rel. Roberto Lucas Pacheco. DJ 12.04.2012). Original sem grifos. Disponível em JURIS PLENUM OURO, Caxias do Sul: Plenum, n. 28, nov./dez. 2012. 1 DVD. ISSN 1983-0297.

VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES. AFRONTA AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PRAZO PARA CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO. MANUTENÇÃO. MULTA. REDUÇÃO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I – A separação de poderes estatais não é absoluta, em face do sistema de “freios e contrapesos” consagrado na Constituição Federal, em seu art. 2º. Logo, não houve qualquer ingerência do Poder Judiciário na seara da discricionariedade administrativa do Executivo, pois o que buscou o Juízo a quo nada mais foi do que dar efetividade aos comandos constitucionais, à concretização do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, ao respeito à integridade física e moral das presas, que não devem ser submetidas a tratamento desumano ou degradante. II – É flagrante o acerto da decisão atacada, que concedeu a antecipação dos efeitos da tutela, haja vista que: há prova inequívoca que conduza à verossimilhança da alegação conciliada com o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação. III – O prazo para cumprimento da obrigação, estipulado em 10 (dez) dias, deve ser mantido, por ser tempo suficiente para que o agravante proceda à transferência das presas da pequena Delegacia de Paço do Lumiar para outro(s) local(is) em condições que lhes assegurem respeito e dignidade. IV – Por não atender aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, o excessivo valor fixado a título de astreintes deve ser reduzido. V – Recurso parcialmente provido. (Agravo de Instrumento nº 9.450/2009, 1ª Câmara Cível do TJMA, Rel. Raimunda Santos Bezerra. j. 21.10.2010). Original sem grifos. Disponível em www.tjma.jus.br ? Acesso em 14 de janeiro de 2013

CONSTITUCIONAL. MANDADO SEGURANÇA. CADEIA PÚBLICA. AUSÊNCIA CONDIÇÕES MÍNIMAS. OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE PESSOA HUMANA. INTERDIÇÃO. POSSIBILIDADE. DESRESPEITO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. INOCORRÊNCIA. Restando demonstrado, inequivocamente, que a cadeia pública não reúne as condições mínimas necessárias ao seu regular funcionamento, representando não só um desrespeito ao princípio da dignidade da pessoa humana bem como um perigo para toda a coletividade, que se vê amedrontada com a possibilidade de novas fugas, irretocável a atitude da autoridade coatora de decretar a sua interdição. Conforme precedentes do Supremo Tribunal Federal, a atribuição de tal incumbência ao Poder Judiciário, ainda que em hipóteses excepcionais, não configura qualquer desrespeito ao princípio da separação dos poderes, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional. ADPF 45 (TJMG 4793678-45.2008.8.13.0000 Relator: MARIA ELZA Data do Julgamento: 30/04/2009 Data da publicação:20/05/2009). Original sem grifos. Disponível em www.tjmg.jus.br – Acesso em 14 de janeiro de 2013.

TJPA-016797) AGRAVO DE INSTRUMENTO. INTERDIÇÃO DE CELAS DA DELEGACIA. TRANSFERÊNCIA DE PRESOS PARA DELEGACIA DIVERSA. Alegação de impossibilidade de previsão orçamentária ou de processo licitatório. Descabimento. Violação ao princípio da separação de poderes. Inexistência. Princípio constitucional à integridade física e moral do preso (art. 5º, inciso XLIX, da CF/88). Ausência de fumus boni iuris e periculum in mora. Recurso conhecido e improvido à unanimidade. (Agravo de Instrumento nº 20113016600-7 (105371), 2ª Câmara Cível Isolada do TJPA, Rel. Cláudio Augusto Montalvão das Neves. j. 12.03.2012, DJe 15.03.2012). Original sem grifos. Disponível em JURIS PLENUM OURO, Caxias do Sul: Plenum, n. 28, nov./dez. 2012. 1 DVD. ISSN 1983-0297.

Dessa forma, a inércia do Poder Público, levando ao deterioramento do referido estabelecimento prisional, a ponto de tornar insuportável o cumprimento das medidas socioeducativas, expondo a risco tanto a integridade física dos menores infratores como à sociedade, não dá outra alternativa ao Poder Judiciário senão a de interdição do estabelecimento prisional.

Ressalte-se, ainda, que a decisão da magistrada a quo não invadiu a seara privativa da administração pública, haja vista que pelo princípio da inafastabilidade da jurisdição não se pode excluir da apreciação do Judiciário qualquer lesão ou ameaça de lesão a direito, nos termos do art. 5º, XXXV, da Constituição Federal.

Diante de tal realidade fática, necessária a intervenção do Poder Judiciário, diante da comprovada inércia do Poder Executivo. Aliás, dentre as prioridades do CNJ está o sistema carcerário, inclusive foi criado o “Programa Começar de Novo”. Tal órgão exige o controle judicial do sistema carcerário brasileiro, devendo, assim, o Poder Judiciário resguardar os direitos dos condenados, mormente quando se tratar de adolescentes infratores.

Por fim, verifico que o prazo fixado pelo magistrado de primeiro grau, qual seja, 30 (trinta) dias para a transferência dos internos é exíguo, ferindo o princípio da razoabilidade e proporcionalidade.

Ora, não seria razoável que o Poder Público fosse compelido, no referido prazo, a remover todos os detentos, haja vista que, obviamente, a execução de tal medida demanda tempo e organização com mobilização de transporte e pessoal.

Diante de tais considerações, imponho o prazo de 60 (sessenta) dias para o cumprimento de tal medida determinada na r. decisão agravada.

Em face do exposto, DEFIRO PARCIALMENTE O EFEITO SUSPENSIVO ATIVO POSTULADO no presente agravo de instrumento, tão apenas para ampliar para 60 (sessenta) dias o prazo para o cumprimento da transferência de todos os internos do Centro de Juventude e Esperança / CJE.

Notifique-se o MM. Juiz de Direito da 2ª Vara da Comarca de São José de Ribamar/MA para prestar, em 10 (dez) dias, as informações que tiver, encaminhando-se-lhe xerocópia desta decisão via email por este gabinete.

Outrossim, intime-se a parte agravada, por mandado, para que, em igual prazo, querendo, oferte contrarrazões.

Remetam-se, a seguir, os autos à Procuradoria Geral de Justiça para que seja colhido o necessário parecer ministerial.

Após, voltem-me conclusos.

Publique-se e CUMPRA-SE.

São Luís, 21 de janeiro de 2013.


Desembargador JAIME FERREIRA DE ARAUJO
Relator