O curso “Moradia Primeiro (Housing First) e a Atuação Estratégica do Ministério Público” teve continuidade na tarde desta terça-feira, 27, no auditório da Centro Cultural e Administrativo do Ministério Público do Estado do Maranhão (CCMP). A iniciativa tem o objetivo de divulgar os princípios do modelo que possibilita o acesso à moradia às pessoas em situação de rua e as vantagens desse sistema.
O treinamento é direcionado a membros e servidores do Ministério Público, gestores públicos, conselheiros de assistência social e direitos humanos, representantes de movimentos sociais, estudantes e público em geral.
A primeira fala da tarde foi feita pelo coordenador nacional do Movimento Nacional de População de Rua e presidente do Instituto Nacional de Direitos Humanos da População de Rua (Inrua), Leonildo José Monteiro Filho.
Leonildo Monteiro, que viveu em situação de rua por 15 anos, fez uma retrospectiva da organização desses grupos que, segundo ele, nasceram das violências sofridas e da falta de políticas públicas. De acordo com o membro do Conselho Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional da População em Situação de rua (Ciamp), dois movimentos iniciais, em São Paulo (SP) e Belo Horizonte (MG), deram origem ao Movimento Nacional, criado em 2005.
A Política Nacional para a População de Rua (decreto 7.053/2009) foi resultado da articulação desse movimento junto à Presidência da República, ainda em 2005. Outras conquistas elencadas por ele foram a criação dos Centros Pop, Consultórios na Rua e a participação nos Conselhos Nacionais de Assistência Social, Saúde e Direitos Humanos, além da criação de uma frente parlamentar no Congresso Nacional.
De acordo com Leonildo Monteiro, uma das preocupações atuais do movimento é a geração de renda. Ele observa, no entanto, que é preciso mais do que o oferecimento de cursos. “A população de rua não vai fazer cursos sem ter onde lavar a roupa ou guardar os livros do curso”, explicou, ressaltando a importância da moradia.
“O movimento tem que aprender um pouco de saúde, um pouco de assistência, de trabalho, de esporte, de cultura porque esse povo também merece acessar a cultura, o esporte e o lazer, além das políticas públicas básicas”, observou.
CONTEXTO
A segunda palestra da tarde foi “Contextualizando o modelo Moradia Primeiro na experiência política da população em situação de rua no Brasil”, ministrada pelo coordenador do Inrua Tomás de Azevedo Gomes Melo.
O palestrante, que é mestre e doutor em Antropologia, afirmou que, ao contrário do que muitos pensam, a migração não é uma “característica” das populações de rua, mas resultado de políticas públicas que não permitem a permanência por mais tempo, como as unidades de acolhimento que estabelecem prazos de utilização.
Segundo Tomás Melo, o Moradia Primeiro é uma iniciativa que teve como origem os Estados Unidos nas últimas décadas do século XX e que busca romper com o caráter assistencialista das políticas públicas e com o modelo etapista existente. Para ele, esse modelo é cruel por estabelecer critérios meritocráticos segundo os quais as pessoas em melhores condições são recompensadas. “Quem mais precisa, que são usuários de drogas e álcool, pessoas com problemas psiquiátricos, terminam por não receber o atendimento. E quem está nas piores circunstâncias deveria receber o melhor atendimento”, avaliou.
Contrariando o senso comum, o palestrante também apresentou dados que mostram que a maioria das pessoas com problemas de saúde mental, desempregados e usuários de drogas não estão nas ruas. De acordo com o coordenador do Inrua, as pessoas em situação de rua não são necessariamente aquelas que não têm uma habitação, mas as que perderam as condições de estar nessa habitação, o que acontece por uma série de motivos.
Tomás Melo apresentou os princípios básicos do Moradia Primeiro e falou sobre as principais dificuldades enfrentadas, como a solidão daqueles que deixam as ruas para habitar uma moradia. Por isso, um dos princípios é a busca pela integração social e comunitária. Outro aspecto relevante é a desconfiança. Segundo o palestrante, a vida na rua deixa as pessoas em uma situação de alerta permanente – o que leva muitas vezes ao desenvolvimento de transtornos mentais – sendo o desenvolvimento da confiança um grande desafio.
Melo também explicou que o Moradia Primeiro não diz respeito à propriedade de imóveis, mas sim ao uso de um espaço como moradia. Ele abordou o modelo norte-americano, que busca o aluguel de moradias no mercado privado e o contraponto feito por países latino-americanos, como o Chile, que busca a reconversão de espaços públicos que não estejam cumprindo a sua função social. “Mas é preciso evitar a formação de guetos. Por isso não é interessante que se tenha prédios específicos do Moradia Primeiro”, explicou.
Redação: Rodrigo Freitas (CCOM-MPMA)