Com o objetivo de promover o debate sobre a necessidade de reconhecer, valorizar e investigar as identidades étnicas, em especial da população negra, o Ministério Público do Maranhão promoveu, na manhã desta terça-feira, 12, no auditório do Centro Cultural do MPMA, em São Luís, a palestra “Educação para relação étnico-racial”.
A atividade foi organizada pelo Centro de Apoio Operacional de Direitos Humanos e Cidadania (CAO-DHC), em parceria com o Fórum Permanente de Educação e Diversidade Étnico-Racial do Maranhão. Outro propósito da palestra é discutir estratégias pedagógicas para integrar a história, a cultura e o direito dessa população, combater o racismo estrutural e estimular um ambiente educativo inclusivo.
O promotor de justiça e coordenador do Centro de Apoio Operacional de Direitos Humanos e Cidadania, Marco Aurélio Ramos Fonseca, deu as boas-vindas aos alunos do ensino médio do Centro de Ensino João Francisco Lisboa e compartilhou a sua vivência em uma escola de elite na qual ele e os irmãos estudaram.
“A relação não era simples na escola. A gente sofreu muito preconceito. Nós éramos poucos alunos pretos e destes, poucos se identificavam como tal. Quando chegava em casa minha mãe dizia: você pode conquistar tudo que você quiser. E eu acreditei”.
Ele narrou, ainda, o episódio em que já era promotor de justiça e passou a integrar o Grupo Nacional de Direitos Humanos, a maior esfera de defesa de direitos humanos do Ministério Público brasileiro. “Então, eu fiz a pergunta: quantos pretos têm aqui? Só eu”.
Antes disso, no prédio do Conselho Nacional do Ministério Público, em Brasília, local da reunião do Grupo Nacional de Direitos Humanos, no momento em que ia entrar no elevador, o segurança o abordou e disse que o espaço era exclusivo para membros. “Eu disse que era promotor de justiça e ele tomou um susto. Era um negro como eu, que não identificava outro negro em uma posição de poder”.
Ao agradecer a presença dos alunos na palestra, ele repetiu a mensagem recebida da mãe. “Vocês podem tudo. Vocês podem chegar onde quiserem. O mundo é o desafio que nós temos que conquistar. Contem conosco, contem com o Ministério Público”, concluiu Marco Aurélio Fonseca.
EDUCAÇÃO TRANSFORMADORA
A palestra foi iniciada pelo pedagogo, especialista em políticas de igualdade racial no ambiente escolar e doutor em Educação, Henrique França. Oriundo do bairro da Liberdade, o único quilombo urbano de São Luís, ele iniciou a explanação afirmando aos alunos do Centro de Ensino João Francisco Lisboa que também estudou em escola pública e a educação gratuita precisa ser valorizada como uma oportunidade de formação para a população mais pobre.
“Esconder do povo negro sua história foi uma das estratégias para tentar enfraquecê-lo”, referindo-se à invisibilidade da história e da cultura no âmbito educacional.
O palestrante apresentou alguns marcos históricos da luta contra o racismo, a exemplo da Conferência Mundial contra o racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerâncias, em 2001; as diretrizes curriculares para educação das relações étnico-raciais, a Política Nacional da Igualdade Racial e a Lei nº 12.288/2010 (Estatuto da Igualdade Racial). Ele também ressaltou o papel da escola na superação das desigualdades étnico-raciais no Brasil.
“O principal desafio é que tenhamos professores capacitados, que seja investido na formação inicial e continuada dos professores referente à temática. Outro ponto é abordar a temática étnico-racial no currículo das disciplinas escolares, conforme a Lei nº 10.639/2003”.
A norma estabeleceu a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira dentro das disciplinas que compõem a grade curricular do ensino fundamental e médio. “Não basta ter só boa vontade. É preciso ter formação e comprometimento. Precisamos compreender que, no Brasil, temos um racismo estrutural, que perpassa por vários eixos, inclusive pela educação”, refletiu Henrique França.
Na avaliação do educador, o sistema educacional brasileiro tem uma matriz eurocêntrica. “A Europa está no centro e essa visão impede que tenhamos outras discussões. Então não se admite falar da população negra a partir de outro viés para além da escravidão, para além desse processo de escravização das pessoas negras. Se temos uma formação a partir das matrizes europeia, africana e indígena, deveríamos ter uma educação que contemplasse as três vertentes. ”
RACISMO ESTRUTURAL
Em seguida, a professora mestre e doutoranda em Educação, chefe do Departamento de Educação da Universidade Estadual do Maranhão (Uema), campus Bacabal, Lindoracy Santos, abordou aspectos do racismo na sociedade brasileira e os desafios para que a Lei nº 10.639/2003 seja implementada.
O marco legal instituiu, ainda, o dia 20 de novembro como o Dia da Consciência Negra. Nessa data, Zumbi dos Palmares foi assassinado. Ele é considerado um exemplo de resistência na luta da população negra.
“Essa lei é uma conquista do povo negro. É preciso ter consciência, ter respeito e valorizar porque o povo negro tem uma história de contribuições para a nossa nação. É preciso que a política pública seja uma realidade. O professor precisa ter essa formação, assim como os gestores. E como consequência, o educando vai conhecer a história e ter sua autoestima valorizada e saber que a diversidade existe”, afirmou Lindoracy Santos.
Na avaliação da palestrante, apesar de a Constituição Federal estabelecer que todos são iguais perante a lei, a realidade é bem diferente. “Lamentavelmente, o povo negro é muito massacrado”.
EXPOSIÇÃO DE TELAS
Antes da palestra, o artista visual Gabriell Lopez, autor da exposição “Um jardim para cada espinho”, em cartaz no Espaço de Artes Ilzé Cordeiro, no Centro Cultural do MPMA, fez uma reflexão sobre o racismo no Brasil. A mostra fica em cartaz até o dia 9 de janeiro de 2025 e reverencia a identidade negra e os orixás.
Redação: Johelton Gomes (CCOM-MPMA)
Fotos: Eduardo Júlio (CCOM-MPMA)